The Creature Diary



 ''A silhueta torcida.O vulto das quatro pontas.Furacão da discórdia.
 .
 A criatura não tem medo,e nem face.Ninguém sabe onde vive,de onde veio, ou de quem nasceu.Não possui um padrão de visitas,e nem mesmo um padrão de movimentos.O Assombrado se move de forma inesperada e nauseante.Ataca os guerreiros com as próprias mãos.Suas unhas furam as carapaças mais duras,e a consciência mais sólida.

 Nenhum filho de Adão mantém as estribeiras quando presencia seus atos - e sua dança sangrenta, hipnotizante e graciosamente letal.A besta sem rosto foi a responsável pela morte de reis,guerreiros e camponeses.
Junto de milhares de almas levadadas,foram-se também as relíquias dos reinos.

 A sua última visita ao mundo dos mortais foi marcada pelo roubo do Meteorito Angélico - Relíquia que pertencia ao Rei Dravonihr - que diziam ser um presente de Deus para o rei,e os filhos dos filhos do rei.Supostamente,o minério misterioso teria bençãos.

 A pedra foi roubada.Corpos foram ceifados.E nenhum filho de Adão que encostou no Demônio está vivo para contar como foi o encontro.
 Somos meros filhos de Adão...impuros desde sempre.Indignos desde sempre...
 Às vezes eu penso que O Vulto das Quatro Pontas veio para limpar a Terra profanada por nós.

 Depois de sua origem,a terra se tornou rubra.

 Quieta.'' - Diário de Vilvikhas.Página nove.





''Nosso vale é cercado de boatos e murmúrios.Não somente fofocas de todos os tipos,mas lendas e historinhas (de heroísmo,bem pouco).


 Meus amigos criadores de porcos também já o viram,e sentiram uma mistura de sentimentos - quase indescritíveis - e ficaram sem saber o que fazer.O que sentir.
 Sempre emerge pela madrugada.Emerge num giro lento e fabuloso.Ele e sua espada flutuante,feita de cristais na região da guarda e pomo.Sua face nunca foi vista,e a vila cria diversas descrições sobre suas feições,e personalidade.
 Prefiro realmente acreditar que este ser é realmente nosso guardião.


 Seu nome é Guardião.


 Sempre brando e leve,seu corpo se move como se estivesse no fundo do rio.Toda vez que emerge,nenhum pedaço de folhas ou plantas,lama ou água,parece encostar em sua presença.Ele sobe para tomar um ar,dá uma olhada (eu presumo) ao redor,e depois de um singelo movimento com as mãos,sua espada desce primeiro,e em seguida vai ele.
 Seu nome até então - Guardião - grudou nas bocas do povo por causa de outro dizeres,principalmente vindos de bocas antigas.Os velhos da comunidade dizem que seus filhos haviam visto ele,salvando uma garota que ficou presa no fundo do rio.

 Tomara que seja.'' - Diário de Yunaga.Página dois.





 ''Ando noites sem dormir.

  Calmo e sorrateiro,apoiado em sua bengala,Ele sempre está por lá.Espiando a felicidade como se nunca a tinha experimentado antes.Como se fosse sua inimiga mortal.

 Tudo é sugado e canalizado por sua bengala...daria uma bela relíquia,aliás.

 A haste possui buracos e torções,como se estivesse possuída por algum tipo de doença.O topo do objeto parece ser uma cabeça de um pássaro (um pássaro horrível,para falar a verdade) cheia de relevos,inchaços...Derretida,talvez.


 O maldito sempre está por lá.Comendo.Sugando.Esbranquiçando.
 Roubando.


 Já não basta minha vida ser uma constante sobrevivência...caçando ladrões,assassinos e feras...por uma merda de recompensa que não me rende um par de botas.

 Quem dera fosse um mero ladrão.

 Aquela bocarra que termina na testa anseia o que os homens e mulheres possuem de mais puro.Todos os sonhos,memórias,sentimentos.Todos os bons pedaços da consciência.

 Embora eu não tenha feito nem presenciado muitas coisas boas,este abutre infernal continua me comendo vivo.Comendo cada nódulo da minha cabeça.Digerindo-a lentamente...
 Esse puto mexeu com o homem errado.

 Depois de semanas atormentado,agora eu me preparo com uma oração antes de dormir.Rezo para que Deus me ajude a exterminar este ser luciférico.Peço a Deus que me dê forças para combatê-lo.E tem funcionado.
 Tenho conseguido manipular meus sonhos em meu favor.Tenho travado curtas batalhas com o Bocão,ajustando meu sonho de acordo com minhas necessidades,mas ele parece dominar o mundo dos sonhos.É invencível em seu habitat,pelo visto...Mas não desistirei tão fácil.

 A batalha agora é pessoal.

 Certos sonhos (quase todos os sonhos) ele aparece,e começa a roubar minhas lembranças mais singelas.
 Minha filha brincando com a cachorra filhote na relva.
 Minha falecida mulher,risonha,observando as pequeninas com ternura.

 DANAÇÃO!

 O único momento de paz que ainda consigo proteger em minha mente está se esvaindo aos poucos.
 Cada noite,uma parte morta.Primeiro o quadro da parede...Depois suas rosas...Suas sapatilhas...
 Seus rostos.
 Seus cheiros.

 O maldito Ser é insaciável.

 Estou cansado disso,e terei que recorrer ao irrecorrível.
 Terei que me comunicar com o incomunicável.
 Terei que... Visitar,e ser visitado.


 Deixo aqui esta declaração e relato,dos motivos que me levaram a fazer o que eu tinha que fazer.Minha única alternativa.E não me orgulho disso.
 Estou decidido,e irei procurar a névoa entre as montanhas geladas.O tronco da floresta cinza.

 A velha da caverna profana.''  - Diário de Nutgosh.Página três.






'' Todos os dias,como de costume na vila, eu e meu vizinho Friggus (o da casa de madeiras avermelhadas) saímos de manhã para colher folhas medicinais,que nascem na pequena floresta perto daqui. Precisa ser de manhã por causa de suas propriedades naturalmente mais potentes a essa hora do dia. O plano era voltar para a vila com um jarro completo de folhinhas,mas aquele dia foi diferente. Estranhamente diferente.

 Não conseguimos completar o jarro. Ficou pela metade,mas é melhor que nada.Ainda sim nosso curandeiro conseguiria produzir algum remédio com elas.

 Algo havia acontecido na área em que nasciam as plantas. Havia gotículas vermelhas congeladas pelo tempo rigoroso,que pareciam ser sangue. Além das gotas,também vi um verdadeiro rastro pela neve,feito de pegadas e linhas sinuosas de sangue congelado. Eu e Friggus,um tempo tempo depois,notamos que havia sangue por toda a parte,e que as folhas estavam cinzas quando eram para estar verdes e saudáveis.

 Coletamos as folhas sempre cautelosos e alertas,com medo de algo inesperado acontecer,até que vi uma silhueta em meio ao branco da ventania de neve,e a silhueta era quase familiar.

 Identifiquei um homem com um volume grande nos ombros,parecendo a pele de algum animal peludo (e deveria ser,pois o ambiente estava dilacerante naquela manhã). O homem estava andando em nossa direção. Parecia ter vindo até o bosque com um ferimento gravíssimo,e pegar as folhas para tratar a enfermidade em um lugar seguro e quente. Porém,tudo indicava que ele estava voltando das montanhas - e ninguém sobrevive nas montanhas.

 Friggus parecia uma estaca na neve. Estava receoso,e não tirava os olhos do estranho. O homem andava em passos lentos,e um de seus braços estava um pouco estendido para fora do corpo.
 A distância era grande,e embora apreensivo com sua futura chegada até nós,estava contando com sua morte,congelado pelos ventos e pela neve.Mas o homem parecia uma rocha.Uma lâmina indestrutível que corta o vento cortante.

 Enfim o pude ver com mais detalhes. Vestia uma roupa simples -típica de nossa vila aliás- e peles feita de penas e pelos,que ficam apoiadas sobre seu ombro e costas. A parte que fica nas costas fazendo papel de capa,era cortada de uma forma peculiar,pois não era quadrada nem pontuda,voltada para baixo,mas eram duas pontas,que de longe pareciam verdadeiras asas.
  Trajava dois cintos,sendo um deles preso na cintura,com uma fivela fabulosa - que parecia uma pedra preciosa quebrada. O outro cinto servia para prender a bainha de sua pequena faca,que estava a mostra em seu peito - quando o vento soprava longe a penugem.
 Seu rosto era de traços não muito finos nem muito rústicos. Seu olhar era sério,mas não ao ponto de ficar com uma cara brava de séria - apenas uma marca de expressão leve nos cantos do nariz e entre as sobrancelhas. Cabelos longos,extremamente escuros e soltos ao vento,que ocasionalmente atrapalhava sua visão. Uma visão por olhos claros. Tão claros que pareciam emitir a luz branca provinda da neve.
 Por fim,seu grave ferimento que havia jorrado litros e litros de seu sangue,era apenas um corte raso em seu pulso.

 Perguntei sobre o machucado,enquanto Friggus estava revistando o indivíduo com seus olhares preocupados. O forasteiro nos cumprimentou usando um certo ar de cautela,assim como nós usamos através de nossa postura e julgamento.
 Perguntei a ele como conseguiu esse corte,e o homem disse que precisava de mais folhas para conseguir a quantidade ideal de química - se esquivando da pergunta,e deixando Friggus um pouco irritado.
 Repeti a pergunta,e ele respondeu que foi um ferimento a lâmina. Logo,eu e meu vizinho ficamos ainda mais cautelosos... Quem poderia ser aquele homem ? Um mal feitor que escapou de um combate ? Um fugitivo ?

 Enquanto conversávamos,uma poça rosa começava a se formar entre a interação da neve com o seu sangue.

 Depois de alguns segundos saí da frente dele,para que ele pudesse coletar algumas outras folhas,e lancei outra pergunta.

_ Por que as folhas com sangue estão mortas ? - disse eu,apontando para as gotinhas congeladas nas folhas cinzas.
_ Não sei.
_ Como assim não sabe ? Sabe pelo menos se este é o seu sangue ?
_ Sim. Este é o meu sangue.
_ Seu sangue matou as folhas que encostou. O que você é afinal,um tipo de feiticeiro ? - Agora quem perguntava era Friggus,com a cara raivosa e em tom ameaçador.

 A pergunta dele fez o forasteiro direcionar os olhos brancos para Friggus. Agora ele parecia ainda mais sério,e um pouco ofendido com a pergunta.

_ Não sou nenhum feiticeiro.
_ Então como explica ainda estar vivo com um monte de sangue faltando em seu corpo,hein seu cabeludo ? E quanto as folhas sem vida ? Como explica isso para mim ? - Friggus deu dois passos,ficando próximo ao homem enquanto ele coletava as verdes.
_ Está ficando frio demais aqui na floresta,é melhor vocês irem para um abrigo logo.

 O homem esquivou-se de outra pergunta,o que deixou Friggus ainda mais nervoso - além de o cabeludo ter dito isso sem olhar nos olhos dele.
 O ruivo perdeu a consciência e partiu para agredi-lo com seu machado de uma mão,mas algo apavorante aconteceu.

O golpe de machado veio ao encontro de sua mão esquerda (a sem o corte) que subiu num movimento calculado,protegendo a face com a palma aberta. Mas,a lâmina,foi vencida pela palma.
 O machado teve o ferro amassado por sua mão,e logo depois do impacto,os dedos se fecharam, penetrando-se na chapa de ferro criando cinco furos. Puxou a arma para si,levando junto o corpo do vizinho. E eu ainda estava lá,sem poder fazer nada. Ainda estava tentando acreditar no que havia acontecido.
 O cabeça vermelha ficou a menos de um palmo de distância entre o homem que sangrava. Estavam se encarando,sendo um deles confiante e ainda na mesma compostura,e o outro quase gritando para todos os deuses existentes terem piedade de sua pobre alma,pois pressentia a morte.

_ Não quero machucá-los,e vocês me fizeram perder a paciência.
_ ..M-mas..Como você... Isso é Impossível ! P-por favor ! Tenha p-piedade !
_ Droga... você me fez espalhar mais sangue pelas folhinhas,ruivo.
_ P-perdão,meu senhor ! Me deixe ir,e prometo q-que não contarei nada s-sobre isso. Pode levar nossa jarra com as f-folhas que coletamos agora a pouco.
_ Tudo bem. Irei lhe soltar,mas não tente outra gracinha comigo. - Disse com a mesma expressão e tom sério de antes.Quase sereno,se comparar com aquela ocasião de quase batalha.

 Antes de Friggus responder,ou ser solto,eu entrei no meio da conversa. Totalmente curioso para saber mais sobre aquele homem incomum.

_ Não pense que levará nossa folhas tão facilmente. Tenho uma condição para entregá-las,e sei que você irá respeitar minha condição.
_ O que você quer de mim ?
_ Não quero nada além da verdade

 Nesse momento ele fez uma cara de derrota. Aquele tipo de derrota que poderia ser evitada... ou a derrota de que algo não saiu,ou sairia como planejado. Ele terá que escolher entre parar o sangramento (algo que não aparentava ser um sofrimento para ele) ou responder minhas perguntas.
 Friggus agora está solto,e seu machado quebrado está sendo coberto pelos flocos brancos.

_ Você pode pegar nossas folhas caso responda minhas perguntas com a plena verdade. Caso não queria responder,ou eu ver que você está mentindo,não darei uma folha sequer.
_ Concordo com seus termos - Disse,agora,com uma mistura de seriedade e com uma cara de derrota premeditada.
_ Muito bem. Sinto que você não é um homem comum. Na verdade,nem comum, e nem homem.O que você realmente é,afinal ? Disse que não é feiticeiro,mas vence uma lâmina com a palma da mão,e cravou seus dedos no ferro como se fosse feito de pano.
_ Confesso que você me pegou de surpresa. Isso era justamente o que eu queria evitar. - Revelou com os olhos baixos.
_ Estou decidido,e não irei mudar minhas condições. Você precisa destas folhas... olhe só para seu pulso e o rastro molhado que fez por aqui.

 Em seguida,ele repetiu a mesma técnica de antes. Dessa vez,ela foi mais efetiva do que imaginei,e passei a não subestimar aquele homem.

_ Vocês vem sempre aqui nessa parte da floresta coletar as folhas medicinais. Sei disso pois consigo observá-los da minha casa,ali,numa caverna dentro daquela montanha - Disse apontando para as costas usando os olhos e um movimento com a cabeça.
_ Por que você não responde minhas perguntas diretamente ? Isso está ficando desrespeitoso,e posso revogar minha decisão de negociar com você.
_ Vocês usam as folhas para curar os doentes de sua vila. Eu posso curá-los sem usar tais propriedades químicas. Lhe dou minha palavra que sou capaz de curar qualquer enfermidade,mas,com uma condição...

 Eu não conseguia acreditar que ele consegue nos observar de uma distância absurdamente grande,e muito menos que ele consiga curar doenças de alguma forma. Não consigo acreditar,mas não vejo mentira em seu olhar.
 Friggus estava correndo de volta para a vila.

_ Me responda logo. O quê você é !? Por que seu sangue matou as plantas !? Como você é mais forte que o ferro dos machados !? - Disse gritando,e me afastando dele enquanto abraçava o jarro.
_ É a ultima vez que lhe proponho esta oferta. Salvarei os enfermos das doenças,e os deixarei imunes a elas,sendo que a morte virá apenas com a velhice. Em troca de deixar todos de sua vila saudáveis para quase sempre,vocês devem permitir que eu possa colher as suas folhas,que sim,crescerão novamente. Fazem quatro dias que estou sangrando e as propriedades dessas folhas ajudam na coagulação,mas esta ferida nunca cicatrizará. Entendo que causo certo espanto,curiosidade e até medo... mas no tempo certo suas dúvidas serão respondidas,Dryilsdan.

 Quando a frase terminou,percebi que não estava mais ventando.
 Além disso,percebi que as penas e pelos de sua capa de duas pontas ainda se moviam. '' - Diário de Dryilsdan. Página três.




'' Ahhh...

   Não acredito que isso aconteceu de novo. Alexantyr e suas histórias de pescador completamente esdrúxulas. O homem deve ter é cheirado muito sal em alto mar, isso sim. Diz até que foi atacado por demônios d'água... e fica por aí, de taverna em taverna, espalhando entre os outros pescadores e viajantes marítimos - além de sempre mostrar a cicatriz feita por um dos demônios e uma série de outras marcas no casco de seu barco.

 Não quero criticá-lo tanto pois é um homem correto,e sofreu muito na vida (embora isso tenha mexido com sua mente). Desde que Yla o deixou sozinho para cuidar dos filhos e carregar o luto,a vida do homem acabou em uma estrada de dois caminhos.Ou os peixes que trariam moedas de prata e comida,ou a presença e o cuidado paterno. Sorte que eu pude ajudar com as crianças,coisa que já estou acostumada a fazer,pois é o meu trabalho - mas no fundo, não podia desamparar os meus sobrinhos.

 Yla e eu eramos grandes amigas. Já me desapeguei do fardo de sua falta.
 Sua morte foi calma e limpa. Morreu dormindo na mesma casa que seus lindos filhos,e teve sua alma purificada por isso. Tenho certeza.

 Alexantyr teve uma crise de preocupações... sobre como cuidaria de uma cabana numa parte perigosa da costa ? Como conseguiria deixar seus filhos sozinhos por dias e noites, para conseguir pescar ? Eu lhe disse que ajudaria até ele conseguir um outro lugar para morar...ou então outra esposa. Também disse que não cobraria nada pelo cuidado materno mesmo sendo o meu trabalho, pois entendo a situação dele,e faço isso pelas crianças e por Yla - não por prata.
 Ele continua um homem de ações justas e foi honrado pela esposa por causa disso. Yla me contava quando íamos às grutas,que ela se orgulhava de ter se casado com alguém como ele.

 Mas isso está mudando,pelo que tudo indica... Ele está ficando cada vez mais ignorante. Ignorando a própria realidade e cego por mitos e miragens.

 Desde que ele diz ter visto pessoas - seres,na verdade - boiando em alto mar,e depois mergulhando para as profundezas,ele nunca mais foi verdadeiramente o mesmo. Algo mudou nele.  Parece meio paranoico com o mar.
 As viagens que faz,estão sempre carregadas com redes maiores,arpões mais afiados,e bastante cerveja hahahah.

 Eu não acredito que ele tenha visto o que diz que viu. Eu até acho engraçado algumas das histórias de pescadores por aqui,mesmo as que são trágicas como a do velho Ildry, em que uma cobra maior que seu barco,cheia de escamas pontudas e duras como ferro,fez um rombo no casco de seu barco e arrancou-lhe a mão direita. O engraçado é que agora sem uma das mãos,ou ele veleja,ou segura um copo de cerveja (ele é famoso por ter feito os dois ao mesmo tempo,e ter encontrado por acidente uma ilha belíssima ao sudeste de nossa costa).

 Depois  de relatos mais frequentes sobre avistamentos de seres - demônios,nesta ocasião - mais e mais histórias estão surgindo,e junto delas,provas que se dizem reais.
 Alexantyr voltou com marcas de unhas na parte de baixo do casco.
 Um tempo depois,haviam dentes.
 Furos.
 E por fim,uma cicatriz em seu rosto.
 Não consigo acreditar que existem tais criaturas. Isso não entra na minha cabeça!

 Outra coisa que não consigo acreditar,é que se isso for invenção,como pode um homem cortar o próprio rosto com o intuito de convencer ? E nem se fala no caso de Ildry que poderia ter arrancado a própria mão - mas isso até seria provável para um bêbado maluco que nem ele.
 Mas confesso que a engenhosidade e criatividade se superam... deve ter sido difícil fazer as marcas agressivas na parte de baixo dos cascos. Eu até perguntei para Alexantyr sobre isso,se é mesmo tudo verdade...

 Ele me disse que sim,tudo era verdade.
 Foi bastante convincente sua expressão,mas eu quase acreditei.

 Além de me dizer (novamente) o que havia dito aos seus amigos pescadores - sobre o casco e a cicatriz - ele me disse algo que não contou para ninguém. Ele diz ter encarado um desses demônios  por bastante tempo,e conseguiu observar melhor a fisionomia deles:

 _A noite estava limpa,sem nuvens nem nada...nem mesmo a lua brilhava o suficiente...não conseguia ver nada além da vela que estava acesa perto de mim.Peguei no sono por um momento,e acordei com barulhos no piso do barco. Houve algumas sacudidas também,mas não pareciam ondas. Levantei do banquinho para checar se eram peixes,mas eu dei três passos rumo ao meu arpão e fiquei paralisado.

 Foi nesse momento que veio a expressão extremamente convincente. Era uma mistura de medo com apreensão:

_ ... Eu me dei conta de que os arpões estavam fora do lugar,e um deles estava faltando. Eu deixei 4 arpões presos em cordas apoiados na lateral de dentro do barco,e um deles sumiu junto com a corda. A corda foi arrancada do lugar que eu prendi! Nenhum peixe tem essa força! Eram cordas grossas, Syzzir! E como um peixe alcançaria os arpões ?!

 Depois de uma leve gritaria - quase que implorando para que eu acreditasse nele - ele se acalmou e continuou me contando o seu segredo:

_ Bem... depois que notei a diferença entra as lanças, fiquei olhando ao meu redor. Tudo estava preto. Levemente azul aqui e alí...algumas ondinhas alaranjadas por causa da luz de meu barco... até que vejo uma breve luz, aparecendo e desaparecendo em baixo d'água. Era um pequeno clarão branco,que provocou uma sombra distorcida na superfície,o que me deixou tremendo de medo e me fez pegar um dos arpões. Agora eu estava suando,tremendo,sonolento,e com uma lança nas mãos esperando algo para acontecer.

 Ele deu uma breve pausa depois disso,e eu quis incentivar ele a desabafar... estava levando isso mais como um desabafo de uma pessoa que ficou doente por ter bebido água do mar. Então,disse para ele continuar movimentando a mão em círculos:

_ Realmente algo aconteceu, Syzzir. Um busto subiu da água. Tinha olhos brancos. Foi tudo o que vi em meu primeiro encontro com pouca luz. Logo que o busto desceu para o fundo,corri para a vela que estava grudada no chão e rapidamente me apoiei para fora do barco. Fiquei tentando observar o que era aquilo...fiquei tentando ver em baixo d'água,mas não vi nada. Depois disso eu fiquei ainda mais alerta,sempre com a vela na mão para iluminar melhor...e ainda bem que fiz isso.

 Estávamos na porta de casa conversando sobre isso pois ele não queria que as crianças pequenas soubessem e ficassem com medo. Ouvi a filha menor, Dryska,abrindo a porta e dizendo que seu irmão Dhruyka dormiu na mesa da cozinha. Disse para não acordá-lo,e também disse que já estaria entrando depois que acabar de conversar com seu pai - e em seguida,ele continuou:

_ Não soube se era o mesmo busto,mas novamente,um busto subiu das águas novamente. Dessa vez eu pude ver um pouco melhor a face da criatura. Havia fissuras que iam do canto da boca até a metade do maxilar. Tirando isso e os olhos brancos, o rosto era parecido com o de nós. Depois de encarar o ser, a água se agitou ao seu lado,e mais um apareceu. Esse parecia mulher - traços mais finos,e cabelos mais compridos...e os cabelos pareciam secos. Ela também tinha uma faixa escura descendo da boca ao queixo...e novamente observei a mesma luz que vinha do fundo,ainda mais forte abaixo dessa segunda criatura. Ela tinha um olhar hipnotizante...eu não conseguia desviar meu olhar...e de súbito,meu medo,suor e tremedeira sumiram. Um vento forte apareceu do nada e apagou minha vela,junto da magia que havia no olhar daquele ser. Agora eu voltei para o estado em que estava - tremendo,suando e com medo - e pude observar ainda melhor a primeira criatura que apareceu. A luz branca do fundo estava oscilando,e pude ver com mais detalhes o seu rosto forte e ossudo. Poucos cabelos e olhos menores. Muitas cicatrizes... E o reflexo da lâmina do meu arpão roubado. Foi então que vi um vulto preto vindo em minha direção - era a o arpão que o maldito lançou contra meu rosto,pegando na bochecha e...

 Interrompi ele pois ouvi Dryska chegando perto da porta para me dizer outra coisa. Disse que seu irmão havia acordado,e eu respondi que já estava quase acabando de conversar com seu pai.
 Quando ela fechou a porta,o relato prosseguiu:

_ Caí no chão do barco. Estava um pouco tonto e com o coração acelerado. Levantei, apoiando na borda,e quando observei as águas,estavam apagadas novamente - e havia apenas uma silhueta mais densa que a água. Era a criatura que me atacou, Syzzyr! E ele FALOU comigo! ELE DISSE QUE..

_Fale baixo! Alexantyr,chega disso! A criatura conversou com você ?! Isso é impossível. Como ele aprendeu nosso idioma ? Como ao menos ele poderia estar em terra firme para aprendê-lo,já que sua vida depende da água ? Obrigado por ter me revelado algo que não espera contar aos seus amigos,por achar que ninguém irá acreditar em você...mas eu tenho que cuidar das crianças agora. Vai tomar um banho para tirar esse sal do corpo...e procure relaxar. Você não pode ter certeza se isso foi algo real ou algo que aconteceu por causa da loucura do mar.

_ Ah... desculpe. Desculpe também por fazer você perder seu tempo me ouvindo. Sei que você não acredita nas histórias, mas pensei que algo que aconteceu comigo iria mudar sua opinião.

 O pescador entrou na casa,com a cara cansada,e foi tirar as botas para ir se banhar. Eu também entrei,e fui preparar a janta para nós,com uma pontinha de dúvida em minha mente.
 Será que isso realmente existe ? Um novo ''tipo'' de humano ? E se existe - e também,se eu pensar bem - devido ao suposto habitat deles,eles também se alimentam de peixes...e talvez, as pescas fartas deste mês estariam prejudicando a sobrevivência deles.

 O maldito conseguiu... me sinto menos cética do que antes,mas mesmo assim continuo como uma ostra.

Ugh... não consigo pensar direito. Minha cabeça dói e tenho que ir dormir logo. O dia vai ser longo amanhã. Fazem 2 dias que o pescador anterior não volta,e seus parentes e amigos estão organizando um grupo de barcos para procurá-lo. Segundo o murmurinho dos vizinhos,o homem saiu para pescar caranguejos e peixes,bem no local onde sempre pescamos,e onde as aparições dos demônios são frequentes quando anoitece.

 O grupo de ajuda será formado por 3 barcos. Um da família dele,o outro do velho bêbado (cujo objetivo secundário seria recuperar sua mão,quem sabe).

 E o terceiro é de Alexantyr e seus amigos.'' - Diário de Syzzyr. Página cinco.





 ''Sinto aquele cheiro podre misturado ao cheiro menos podre do meu necrotério. BRUXO IMBECIL!  Encontrei ele dentro da ala dos caixões hoje a noite. Sorte dele que eu não estava armado. Juro que mato aquela aberração.
 Aquele homem flutuando me causou repulsa.
 Fugiu pela janela do segundo andar, flutuando como uma pluma. Deixou para trás o resquícios do ritual que estava fazendo. Notei que faltava um corpo naquela sala.

 Que a maldição caia sobre o profanador de tumbas! Ladrão de necrotérios!

 O fétido vive mudando de lugar - hora está em uma pequena caverna na encosta de um morro, hora está em uma cabana na floresta. Por onde passa deixa rastros de atos profanos. Essa vil criatura faz uso de velas, sangue e corpos para os rituais de necromancia. Ninguém sabe o que ele quer, nem realmente  o que ele É.

 Matamos três corpos que ele ressuscitou ontem pela madrugada.

 A arte dos mortos é temida até mesmo pelos praticantes da arte das trevas. É algo extremamente sério. ATÉ PARA ELES.

 São raros, mas o que sabemos dos necromantes é que eles possuem um zelo especial por seus lacaios mortos - já que é muito trabalhoso fazer os ingredientes e completar a reanimação dos corpos. No caso desse bruxo em nossa cidade, ele simplesmente não liga.

 Sempre encontramos seus servos vagando sem rumo pelas ruas da cidade. Até parece um bruxo entediado, que está pregando uma peça em nós. Ele foi o primeiro que se tem notícia, que teve a coragem de reviver uma criança. PODRIDÃO! O maldito está fazendo um exército ? Aperfeiçoando suas técnicas ? Apenas se divertindo ? Ninguém sabe ao certo. Mas que merda.

 Todos estão com medo.

 Ninguém sai as ruas quando anoitece.

 E não existem mais coveiros no turno da noite.'' - Diário de Neville. Página três.

3 comentários:

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  2. A criatura apanhadora de sonhos ficou muito interessante, Se eu fosse espeta-la com uma espada ou lança, não importa, Um machado ou uma adaga, não importa! Qualquer um poderia levar uma surra "psicológica", isso abre um leque de expectativa enorme! ~Zueus

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  3. muito foda seu trabalho, desenha muito viado

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